OBJETO PERDIDO NA CIDADE
Soraia Bento*
  
A série de corações garimpados por Patrícia Gatto, nas suas deambulações pela cidade, nos dizem que, sim: EXISTE AMOR EM SP!
Nossa fotógrafa faz uma exaltação a todos aqueles que, anonimamente, por pura necessidade, denunciaram seus amores no espaço público. O muro é uma espécie de pele tecida no concreto que demarca o dentro e o fora de cada um e o dentro e o fora entre o público e o privado. O desenho nos muros é como a tatuagem na pele, um querer dizer algo para o eu e para o outro.
Os corações recolhidos pelo olhar sensível são os restos de amores achados e perdidos por aí. São a captação visual de um gesto sonoro, de um grito! Quando a experiência amorosa atravessa o sujeito, ela se impõe como algo que não cabe em si: porque transborda, precisa ser exposta.
Tem coração pra todos os gostos e desgostos em incontáveis formas de representar o que pulsa.
Coração sujo, branco, colorido, exclamado, interrogado, alado; solto ou preso.
Tem coração no esgoto e tem aquele que bate à porta (Será seu dono? Será sua vítima? Será o próximo?). Tem coração com cara e descarado. Quem disse que quem vê cara não vê coração?
Tem ódio no coração. Tem chifre. Tem cadeado. Tem o tempo desmanchando o coração.
O título dessa série não pode ser tomado apenas pela primeira camada de sentido. O Objeto Perdido não é consequência do amor, mas antes, sua própria condição! É como um ponto de partida. Somente na experiência da falta, o desejo poderá advir. Nossa eterna busca amorosa resulta de uma experiência apaziguadora de tensões, em um tempo inicial da vida, em que o encontro humano restituiu o bem-estar da não-falta. Portanto, quando experimentamos o encontro do objeto amoroso, na realidade, trata-se de um reencontro, uma reconexão com essa busca por algo que nos totalize. Sabem os amantes, uma busca vã, tal qual bolha de sabão que, ao ser tocada, se desfaz quando o outro movimenta-se como um além de mim. Essa ilusão deixa sempre um rastro de dor e de prazer.
“Quando te vi, amei-te já muito antes
Tornei a achar-te quando te encontrei”
Fernando Pessoa
É assim que se fala do instante em que tudo ganha sentido, meu poeta, uma experiência de reencontro que antecede o encontro! O amor é mesmo um abuso na lógica temporal.
Que nossa fotógrafa nos guie pelos detalhes dessas tantas aventuras, registrando as marcas do tecido afetivo que compõe nossa cidade.

*Soraia Bento, psicanalista. (Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae, professora e supervisora clínica no Curso Clínica Psicanalítica: Conflito e Sintoma)  

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